A forma negra da morte, de Simone Rossinetti Rufinoni
Satanismo e escravidão no poema em prosa de Cruz e Sousa
Este livro traz contribuição decisiva para uma parcela menos celebrada da produção de Cruz e Sousa e flagrada de uma perspectiva inédita: a dos poemas em prosa, vistos como inferiores pela maioria dos intérpretes do poeta.
Depois de trazer à baila as motivações estéticas e até filosóficas implicadas na conformação híbrida do gênero em solo europeu, deslinda sua reconfiguração em contexto periférico, investida de uma motivação étnica e social não prevista originalmente.
No Brasil fin-de-siécle, de Abolicionismo recente embora de renitente herança escravista, a forma anárquica – destrutiva sim, mas de uma desordem dialeticamente reconstrutora – permite dinamizar, como poucas, os dilaceramentos e contradições do lugar de inscrição do poeta negro no campo literário, que nada tem de autônomo em relação às hierarquias e aos mecanismos de segregação que regulam a ordem social mais ampla.
A heterogeneidade da forma é orquestrada pelo poeta do Desterro de tal modo a ressoar a dissonância entre a voz da resistência e as dos discursos cientificistas, deterministas e raciais então em voga que o condenavam à exclusão, convocadas no poema em prosa para evidenciar suas inconsistências e equívocos.
Sempre requalificada em função das determinações locais, a apropriação do legado baudelairiano se dá não só no plano da forma híbrida, mas compreende ainda o repertório de temas e motivos, a cosmovisão e os procedimentos retóricos e estilísticos que procedem diretamente da obra do poeta francês ou por intermédio das releituras que dele fizeram o Simbolismo e demais correntes finisseculares.
Simone Rossinetti Rufinoni explora todas elas de maneira igualmente iluminadora, ao evidenciar a correlação admirável estabelecida por Cruz e Sousa entre as antinomias do poema em prosa, o satanismo, a obsessão com a morte, as categorias estéticas do feio e do grotesco tensionadas com o sublime e o ideal inalcançável, bem como o efeito irônico advindo dessas tensões, sempre evidenciando as forças sociais nelas implicadas.
Vagner Camilo (USP)
--------------------------------------------------
Sobre a autora: Simone Rossinetti Rufinoni é professora de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo. Autora do livro "Favor e melancolia: estudo sobre A menina morta, de Cornélio Penna" (São Paulo: Edusp/ Ed. Nankin, 2010). Pesquisadora e crítica literária, dedica-se às relações entre literatura e sociedade na poesia e na prosa brasileiras do século XIX até a contemporaneidade.
--------------------------------------------------
Sumário:
Prefácio, por Vagner Camilo 9
Apresentação 19
Parte I: Satanismo e criação poética 23
1. No rastro de Satã 25
2. A obra imatura 27
3. “Psicologia do Feio”: o grotesco, vida e arte 30
4. Dandismo e morte: o heroísmo do excluído 41
5. O poeta e os desvalidos: trabalho e marginalidade 49
6. Heroísmo moderno 55
7. “O Sonho do Idiota”: clarividência e sacrilégio 59
8. “Emparedado”: fazer poético e alteridade 72
Parte II: Satanismo e escravidão 85
1. Imagens negras: mundo demoníaco e Simbolismo 87
2. Semântica da demonização 92
3. Parâmetros da recepção crítica 97
4. Desdobramentos do mal na História: 107
a estetização da violência
5. “Capro”: a “teoria das correspondências” 113
no contexto da escravidão
6. Entre o asco e a dor 134
7. A consciência aniquiladora em “Consciência tranquila” 158
Parte III: Satanismo e poema em prosa 183
1. Um gênero feito de opostos 185
2. Notas sobre o poema em prosa no Brasil 191
3. “Intuições”: nova dor, nova forma 195
4. Poesia e prosa: as ideias fixas 204
5. Arquitetura da destruição: gênero e subversão 210
6. A forma negra 217
Parte IV: A forma como trabalho de morte 225
1. A morte na literatura fin de siècle: símbolo e forma 227
2. A morte: libertação ou danação 229
3. Figurações da morte na prosa de Cruz e Sousa 232
4. “Emparedado”: esquecimento, aporia, melancolia 258
5. O trabalho de morte da forma 267
6. A morte negra 279
7. Memória e humor negro 285
Parte V: Outros estudos 299
Invisibilidade e simulação da audiência no poema em prosa de Cruz e Sousa 301
Os pobres de Guerra Junqueiro e de Cruz e Sousa 325
Anexo 349
Bibliografia 363
- Páginas: 380
- Peso: 443 gramas