Lealdades Negociadas, de Francismar Alex Lopes de Carvalho
Como eram mantidas a lealdade e a obediência às monarquias ibéricas entre índios, colonos e funcionários que viviam nas regiões fronteiriças da América?
O livro que o leitor tem em mãos aborda essa questão de uma maneira original, ao analisar as administrações dos dois impérios, em sua disputa – agravada com as indefinições do Tratado de Madrid – pelas áreas confinantes entre as províncias de Mojos, Chiquitos e Paraguai e a capitania de Mato Grosso.
Já se sabia que espanhóis e portugueses, nas áreas sob litígio, recorreram à criação de fortificações e vilas, ao estabelecimento de colonos e à atração das populações indígenas dos arrabaldes. A novidade do presente estudo consiste em enfatizar que a delegação de responsabilidades e a transferência de custos aos mesmos índios e colonos constituíam dispositivos fundamentais da governança da fronteira.
O autor questiona a ideia corrente na historiografia de que a Coroa impunha aos colonos sua vontade. Havia, na realidade, uma negociação assimétrica entre a Coroa e esses moradores, e a governabilidade era garantida pela concessão (ou a promessa de concessão) de certos privilégios e benefícios, desigualmente distribuídos. Na disputa pela lealdade das populações fronteiriças, o Estado que dispusesse de recursos e de funcionários hábeis, capazes de mobilizar iniciativas locais, podia estar à frente no processo de consolidação da soberania territorial.
Através da análise de documentos provenientes das duas colonizações, localizados de modo sistemático em arquivos de vários países, o livro faz finca-pé no modo como os dispositivos administrativos de ambos os impérios incidiam sobre o cotidiano de índios e colonos que viviam nessas áreas liminares. Trata-se de uma contribuição inestimável não apenas à história da formação dos limites territoriais entre as potências ibéricas na América, mas também ao estudo da apropriação e manutenção do sentimento de lealdade monárquica e das identidades coloniais.