Shaftesbury e a ideia de formação de um caráter moderno, de Luís Fernandes dos Santos Nascimento
Como atesta o nome de sua obra mais conhecida, Characteristicks of men, manners, opinions, times, a noção de caráter está entre as mais importantes da filosofia de Anthony Ashley Cooper, o Terceiro Conde de Shaftesbury (1671-1713).
Termo comumente associado à moral, o caráter designa a marca distintiva ou a identidade que pode ser a de uma pessoa, a de uma época ou mesmo a de uma espécie, como a humana. Já em seu título, este estudo indica que, para Shaftesbury, o caráter não é um atributo que é facilmente dado a algo ou a alguém, mas que tem de ser conquistado ou formado.
Para sermos o que devemos ser (ou antes: para que mantenhamos nossa identidade) é preciso que nos esforcemos; o mesmo deve valer quando o que se quer formar é uma época, como a Modernidade.
É nesse sentido que a noção shaftesburiana de caráter, sem perder sua referência à moral, revela seu vínculo com a estética, na medida em que pressupõe uma arte, técnica ou prática pela qual ela é formada ou composta e uma faculdade crítica que analisa e julga essa mesma composição. Sob esta perspectiva, formar um caráter não é uma atividade distinta daquela que compõe um personagem: o inglês character também pode ser traduzido por personagem, lembra este livro.
Se grandes poetas como Homero podem nos ensinar algo, se reconhecemos em suas obras um conteúdo moral, não é porque eles expõem máximas ou preceitos que visam normatizar a conduta de seu público, e sim porque apresentam um discurso simples, bem caracterizado e com personagens bem compostos, chamando indiretamente a atenção de seu leitor ou ouvinte para tais elementos.
Este livro examina os elementos que formam o quadro a partir do qual a Modernidade e suas características são problematizadas por Shaftesbury, a saber: relações como as que o filósofo inglês estabelece entre natureza e moral, arte e natureza, antigos e modernos, crítica e imitação, identidade pessoal e identidade de uma época.
Assim, sugere-nos o presente estudo, a própria Modernidade pode ser comparada à feitura de um quadro no qual o homem moderno é o protagonista. Mas quem poderia ter assumido neste caso a posição de artista ou pintor do quadro que é a Modernidade? Quem senão este mesmo homem que assume e desenvolve sua modernidade ao pintar-se como tal?
Sobre o autor: Luís Fernandes dos Santos Nascimento é professor do Departamento de Filosofia e Metodologia das Ciências (DFMC) da Universidade Federal de São Carlos.