ACONSELHO-TE CRUELDADE
Referência: 9788577510566
ACONSELHO-TE CRUELDADE
contos - em coedição com a Funalfa
Fernando Fiorese
160 p., 2010, 14x21 cm, ISBN 978-85-7751-056-6
O BOM CONSELHO
Diante da pergunta: o que é conto?, Mário de Andrade, em 1938, diz que tentar respondê-la é uma preocupação com um “inábil problema de estética literária”. E acrescenta: “em verdade, sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto”.
Entretanto, ao final de seu artigo (“Contos e contistas” – O empalhador de passarinho), retoma a “pergunta angustiosa” para, depois de ter citado os grandes contistas do século 19, afirmar o seguinte: “Em arte, a forma há de prevalecer sempre esteticamente sobre o assunto. O que esses autores descobriram foi a forma do conto, indefinível, insondável, irredutível a receitas”.
Pois bem. Aconselho-te crueldade, de Fernando Fiorese, é um livro de contos que quadra à perfeição no terreno algo perplexo sondado por Mário de Andrade, especialmente nas questões de forma. Fernando Fiorese é um sujeito muito lido, culto, informado e criativo. Os quatorze textos enfeixados nesse livro são quatorze formas diferentes e originais de escrever contos.
O que conta é que a pletora de contos escritos e publicados no Brasil no último meio século por autores bons, excelentes, mais ou menos, medíocres e ruins parece carecer, nestes tempos novos e atuais, de cristalizações e sínteses que ajudem os estudiosos, os apreciadores do gênero e os leitores em geral a abrir cortinas e chegar a terreno mais ou menos seguro.
Sendo mineiro e vivendo em Minas Gerais, de repente, em Aconselho-te crueldade Fernando Fiorese, sem receitas, chega ao ponto alto da forma do conto, experimentando e inovando alternativas, de sorte a alcançar uma síntese rara. Essa síntese, ao mesmo tempo, retoma o muito que já foi feito e publicado por outros (os melhores) e dá um passo adiante, repropondo a forma conto de modo que lhe cabe o mérito especial dos três fortes adjetivos utilizados por Mário de Andrade.
A leitura desses contos certamente permitirá ao leitor descartar muita palhada que circulou e circula nos arraiais literários nacionais com pretensão a conto. E ainda verá que a perícia literária e artística de Fernando Fiorese não pode deixar e não deixa de lado problemas centrais da literatura contemporânea: a ironia, o humor e a memória estilhaçada que põem a nu as contradições dos narradores, das linguagens e da matéria histórica recriada. E nesses contos estão as perguntas sobre os enigmas da vida e da arte, a permanente perplexidade sobre o sentido de tudo, das menores coisas, dos nossos atos e gestos, da nossa velhice solitária, da hipocrisia do cinema a que assistimos e comentamos, do nosso ser fragmentado e danificado neste mundo de mercadorias sem fim e, ainda, o futuro, que muito nos ameaça e nada nos promete.
Valentim Facioli